O texto que segue é uma resposta enviada via e-mail a um colega que questionou o fato de eu utilizar o termo fé associando-o com o Satanismo, uma vez que outros Satanistas em suas opiniões publicadas, deixaram de lado este aspecto em nome da valorização de seu ceticismo. A questão já foi abordada em outros momentos, mas não custa nada "mastigar" um pouco mais.
Antes de entrarmos na questão de ter ou não o Satanismo fé, é preciso primeiro entender o que é a fé, e de que forma ela é compreendida. O senso comum nos coloca a fé contra a razão, caracterizando ela como uma crença que se estabelece por si só, sem a necessidade de uma comprovação empírica/racional/científica com relação a algum fenômeno. A fé se encerra em si mesma, e não depende de uma "constatação externa". Ela se manifesta no nível do indivíduo, é uma crença subjetiva. Em tempos modernos de valores cada vez mais científicos, é então posta abaixo esta idéia de uma crença que independe da ciência, retirando assim sua validade. E o que ocorre? Ninguém hoje em dia quer dizer que tem fé, a menos os religiosos convictos e crentes (quem crê, não apenas evangélicos) num geral. É feio, pega mal, e você ainda é tachado de cego. Enfim, todo satanista já passou pela fase de crítica a valores e idéias que dependem da fé e optaram por adotar o ceticismo. De tal forma, é comum esta negação presente nos discursos de muitos satanistas. Comum e plenamente justificada; a fé nos leva a acreditar em deuses, a se submeter a eles, a limitar-se em religiões, enfim. Todos sabemos os "problemas da fé". E todos falam disto. Eu não sigo por este caminho, não vou repetir o óbvio. Pelo contrário, minhas palavras têm por intuito justamente lembrar que o Satanismo também possui sua dose de fé. Basta lermos o primeiro parágrafo da BS logo no primeiro texto sobre a teoria da magia:
A definição de magia, tal como é usada neste livro, é: "A alteração de situações ou acontecimentos de acordo com a vontade do indivíduo, os quais, usando-se métodos normalmente aceitos, seriam inalteráveis". Isto admitidamente deixa muito espaço para a interpretação pessoal. (...) A magia nunca é totalmente explicável pela ciência, mas a ciência sempre foi, numa época ou noutra, considerada magia.
A Bíblia Satânica, versão Portuguesa, página 123
Ou seja, a partir do momento em que "aceitamos" a magia, estamos partindo de uma crença de que nossa vontade pode ser capaz de exercer algum tipo de influência tal que faça com que os eventos se modifiquem de modo a satisfazer nossos anseios. Você é capaz de estabelecer uma relação de causa e efeito a partir disto?
Se faz-se um ritual, no qual é mentalizado que você deseja muito uma pessoa, e por um total acaso do destino, você acaba por encontrar ela numa situação onde a interação fosse possível e mais do que isto, as circunstâncias todas operam a seu favor, como podemos dizer que estas "circunstâncias propícias" se realizaram no tempo graças a seu ritual e respectiva vontade? Como medir, calcular, determinar, prever, enfim, como entender isto aos olhos da ciência? É o mesmo que dizer que alguém foi curada de uma doença X por ação divina. Não podemos reduzir isto aos nossos valores empírico-científicos, e o mesmo ocorre na questão da magia Satanista.
Nem mesmo o próprio LaVey se aprofundou nesta relação de causa e efeito entre vontade e determinados eventos, uma vez que não há o que dizer nem o que provar ou argumentar; trata-se de uma crença. Entretanto, há dois pontos fundamentais em toda esta questão. O primeiro diz respeito aos propósitos do ritual. Basta lembramos-nos das palavras da BS:
A magia ritual consiste na realização de uma cerimônia formal, tendo lugar, pelo menos em parte, dentro dos limites de uma área escolhida para esse efeito e numa altura específica. A sua função principal é isolar a energia adrenal que, de outro modo, se dissiparia, e outra energia emocionalmente induzida e convertê-las numa força dinamicamente transmissível. É um ato puramente emocional e não intelectual.
A Bíblia Satânica, versão Portuguesa, página 124
Repare que neste trecho há uma tentativa de agrupar e especificar energias e de pressupor uma forma de atuação. O que de certa forma trata-se apenas de uma organização, uma vez que estas forças e tipos de energia não constituem qualquer teoria científica ou caracteriza-se como uma metodologia para a análise de um fenômeno. O que corrobora o que disse anteriormente. Mas o principal deste trecho é quando se descreve a função do ritual. Percebamos que a mudança dos eventos é a crença primeira da magia, mas a sua função primeira é a "liberação emocional", se podemos assim dizer. O que vem em primeiro plano é o indivíduo, seus sentimentos, tensões, vontades, fardos, dentre outros, e suas respectivas "descargas". Ou seja, por mais que partamos de uma fé, não se encontra ela acima do corpo, da carne, do sentimento, do que de fato compreendemos por real. Estamos a tratar de nós e do que ocorre com nós, estamos a falar sobre nosso viver, e não sobre um controle metafísico da realidade. E aí entra o segundo ponto. Todo valor e dogma satanista passa primeiro pelo filtro do eu, sendo sua aceitação uma questão de escolha, de opção. O mesmo é com esta nossa fé.
Ou seja, não estamos a lidar com uma fé cega, acima do indivíduo e de suas escolhas. É fato que não se trata de ciência, e qualquer nível mínimo de ceticismo pode anulá-la sem titubear, mas ora, se assim for, qual o problema? Serei menos Satanista por não crer que emoções, sentimentos, pensamentos e rituais possam implicar efeitos na ocorrência de eventos em minha vida? Ou ainda, serei menos cético por crer que isto é possível, sem que esta crença influencie negativamente minhas ações, condutas e pensamento; sem que isto me cegue ou me limite?
Assim sendo, nem 8 nem 80. O sistema religioso Satanista pressupõe sim uma crença não científica. Seria muito conveniente eu atacar a alheia sem deixar claro que também possuímos uma. Agora, quais conseqüências esta crença vai ter, só mesmo o indivíduo em sua prática (ou a ausência dela) para dizer...
A definição de magia, tal como é usada neste livro, é: "A alteração de situações ou acontecimentos de acordo com a vontade do indivíduo, os quais, usando-se métodos normalmente aceitos, seriam inalteráveis". Isto admitidamente deixa muito espaço para a interpretação pessoal. (...) A magia nunca é totalmente explicável pela ciência, mas a ciência sempre foi, numa época ou noutra, considerada magia.
A Bíblia Satânica, versão Portuguesa, página 123
Ou seja, a partir do momento em que "aceitamos" a magia, estamos partindo de uma crença de que nossa vontade pode ser capaz de exercer algum tipo de influência tal que faça com que os eventos se modifiquem de modo a satisfazer nossos anseios. Você é capaz de estabelecer uma relação de causa e efeito a partir disto?
Se faz-se um ritual, no qual é mentalizado que você deseja muito uma pessoa, e por um total acaso do destino, você acaba por encontrar ela numa situação onde a interação fosse possível e mais do que isto, as circunstâncias todas operam a seu favor, como podemos dizer que estas "circunstâncias propícias" se realizaram no tempo graças a seu ritual e respectiva vontade? Como medir, calcular, determinar, prever, enfim, como entender isto aos olhos da ciência? É o mesmo que dizer que alguém foi curada de uma doença X por ação divina. Não podemos reduzir isto aos nossos valores empírico-científicos, e o mesmo ocorre na questão da magia Satanista.
Nem mesmo o próprio LaVey se aprofundou nesta relação de causa e efeito entre vontade e determinados eventos, uma vez que não há o que dizer nem o que provar ou argumentar; trata-se de uma crença. Entretanto, há dois pontos fundamentais em toda esta questão. O primeiro diz respeito aos propósitos do ritual. Basta lembramos-nos das palavras da BS:
A magia ritual consiste na realização de uma cerimônia formal, tendo lugar, pelo menos em parte, dentro dos limites de uma área escolhida para esse efeito e numa altura específica. A sua função principal é isolar a energia adrenal que, de outro modo, se dissiparia, e outra energia emocionalmente induzida e convertê-las numa força dinamicamente transmissível. É um ato puramente emocional e não intelectual.
A Bíblia Satânica, versão Portuguesa, página 124
Repare que neste trecho há uma tentativa de agrupar e especificar energias e de pressupor uma forma de atuação. O que de certa forma trata-se apenas de uma organização, uma vez que estas forças e tipos de energia não constituem qualquer teoria científica ou caracteriza-se como uma metodologia para a análise de um fenômeno. O que corrobora o que disse anteriormente. Mas o principal deste trecho é quando se descreve a função do ritual. Percebamos que a mudança dos eventos é a crença primeira da magia, mas a sua função primeira é a "liberação emocional", se podemos assim dizer. O que vem em primeiro plano é o indivíduo, seus sentimentos, tensões, vontades, fardos, dentre outros, e suas respectivas "descargas". Ou seja, por mais que partamos de uma fé, não se encontra ela acima do corpo, da carne, do sentimento, do que de fato compreendemos por real. Estamos a tratar de nós e do que ocorre com nós, estamos a falar sobre nosso viver, e não sobre um controle metafísico da realidade. E aí entra o segundo ponto. Todo valor e dogma satanista passa primeiro pelo filtro do eu, sendo sua aceitação uma questão de escolha, de opção. O mesmo é com esta nossa fé.
Ou seja, não estamos a lidar com uma fé cega, acima do indivíduo e de suas escolhas. É fato que não se trata de ciência, e qualquer nível mínimo de ceticismo pode anulá-la sem titubear, mas ora, se assim for, qual o problema? Serei menos Satanista por não crer que emoções, sentimentos, pensamentos e rituais possam implicar efeitos na ocorrência de eventos em minha vida? Ou ainda, serei menos cético por crer que isto é possível, sem que esta crença influencie negativamente minhas ações, condutas e pensamento; sem que isto me cegue ou me limite?
Assim sendo, nem 8 nem 80. O sistema religioso Satanista pressupõe sim uma crença não científica. Seria muito conveniente eu atacar a alheia sem deixar claro que também possuímos uma. Agora, quais conseqüências esta crença vai ter, só mesmo o indivíduo em sua prática (ou a ausência dela) para dizer...
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